Para desenhar um modelo flexível e inteligente de trabalho que funcione bem para os dois lados - empresa e empregado -, é preciso investir em dois campos: tecnologia e cultura. A primeira é mais fácil. "O investimento em tecnologias que permitam jornadas produtivas, independentemente do tempo e da distância, precisa fazer parte do plano estratégico", afirma Marcelo Leite, diretor de novas tecnologias da Cisco. "E deve contemplar ações abrangentes, levando em conta os dispositivos como notebooks e smartphones adequados para o trabalho; a rede, preparada para compartilhar dados com qualidade e segurança; os aplicativos funcionais, como os de troca de mensagens de texto, áudio e vídeo; e o usuário, que precisa ser treinado para usar tudo isso."
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Na Cisco não existe baia fixa, porque tem mais gente do que mesa - e não há perdas na interação. A multinacional tem mais de 700 salas espalhadas pelo mundo com recursos de ponta para reuniões por videoconferência, que mais parecem presenciais. Além de reduzir o tempo gasto em deslocamentos, essa estrutura gera economia com viagens. E não é só. Há ainda o ganho em produtividade. "Levo, em média, uma hora e meia no meu trajeto de casa para o trabalho ou para visitar um cliente", diz Christian Bustamante, de 38 anos, especialista de vendas da Cisco no Rio de Janeiro. Ele optou por usar táxi para poder trabalhar no caminho com notebook e telefone equipados com 3G. "Tenho acesso a todas as informações corporativas e, se preciso tirar alguma dúvida com outros especialistas, inclusive de áreas diferentes, entro no chat e em segundos alguém já me passa a informação. É até mais rápido do que se estivesse no escritório."
Na Philips, outra empresa modelo em práticas flexíveis, 60% dos funcionários podem usar até 20% do tempo para exercer suas atividades fora da companhia. E 20% trabalham à distância por até 90% da jornada. Os 20% restantes ocupam posições que exigem o cumprimento de horários fixos, como o pessoal das fábricas. Por isso, a sede, em Barueri, na Grande São Paulo, tem mesões coletivos em vez de estações individuais, o que gerou uma economia de espaço de 30%, mesmo abrigando 30% mais pessoas do que o antigo escritório. "Nos Estados Unidos, muitas empresas de call center reduziram os gastos com megaestruturas colocando as equipes para trabalhar de casa", diz Weber George Canova, vice-presidente de inovação e tecnologia da Totvs. "No Brasil, ainda é preciso vencer o custo do financiamento da infraestrutura remota, que pode sair mais caro do que concentrar os profissionais em um só local."
MUDANÇA DE CULTURA
A falta de verba para investir em soluções que permitam otrabalho à distância é uma das causas (ou desculpa) que levam as companhias a manter práticas analógicas mesmo adotando um discurso digital. Mas o principal obstáculo para que essa mudança avance no cenário nacional é a culturacorporativa. Enquanto não há meios efetivos para garantir que as companhias terão mais ganhos do que perdas com um modelo menos tradicional de gestão, muita gente segue engavetando seus projetos de flexibilidade. "O maior desafio não é a flexibilidade, mas a maturidade dos funcionários em lidar com isso. Educá-los para que criem responsabilidade e gerenciem o tempo é uma arte que aprendemos com a experiência", afirma Fernanda Soares, líder de desenvolvimento humano e organizacional do Grupo Digital Inc, empresa de serviços de internet que estende as políticas de horários flexíveis e home office a 100% do quadro. Quando entram na empresa, todos recebem um manual de boas-vindas, que inclui direitos e deveres e fica disponível online para consulta.
Outra questão a ser considerada é o treinamento dos gestores, para que passem a avaliar os empregados por resultado, e não pelo número de horas dedicadas ao serviço. É deles também a responsabilidade de identificar aqueles que são elegíveis a realizar parte do trabalho remotamente. E não basta avaliar a função. Ela é determinante, claro, mas o perfil comportamental conta bastante. Pesquisadores da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, conduziram um estudo em uma organização de Xangai, na China, com empregados que trabalharam quatro dias por semana em casa e outros que executaram as tarefas o tempo todo no escritório. O primeiro grupo apresentou maiores índices de felicidade e de produtividade - as pessoas atenderam a mais ligações e trabalharam mais horas porque fizeram intervalos curtos e ficaram menos doentes. Porém, algumas tiveram queda no rendimento e quase metade pediu para voltar ao esquema anterior - alegaram que se sentiam solitárias.
A atenção vale também para os workaholics, que tendem a trabalhar mais horas do que deveriam. "Às vezes, precisamos orientar o funcionário a dedicar menos tempo à carreira e a fazer um mix melhor entre vida pessoal e profissional", diz Fernanda, do Grupo Digital Inc. Na Philips, os celulares dados ao grupo que trabalha até 20% longe do escritório são bloqueados depois do horário comercial. O segundo passo é desenvolver sistemas de monitoramento. "Temos um manual com indicações de como ser assertivo, planilhas para planejamento semanal e mensal, relatórios e reuniões de acompanhamento de performance", afirma Carlos Fragoso, de 29 anos, assessor comercial do Mercado Livre, grupo de compra e venda online. Ele trabalha no Rio de Janeiro e vai até a sede, em São Paulo, a cada três meses.
UM EMPURRÃO FEMININO
A fuga de mulheres que, no auge de sua produtividade, decidem abandonar as baias em busca de jornadas menos engessadas também vem forçando as empresas a mudar sua mentalidade e colocar na estratégia rotas flexíveis para sanar esse problema. Segundo levantamento da consultoria Towers Watson realizado com 120 companhias brasileiras, 33% já oferecem horário flexível depois da licença-maternidade e 16% permitem home office durante e após o período de gestação. A Volvo definiu suas boas práticas nessa área em 2008: as funcionárias podem trabalhar em casa por até oito meses depois do término da licença, se a função permitir. Basta que combinem os termos com o gestor.
Ao mudar o modelo mental, as organizações começam a construir uma relação mais humana e individualizada, contemplando as necessidades de seus profissionais em vez de impor as mesmas regras a todos e adotando, assim, uma gestão mais moderna. Em 2007, Bustamante, da Cisco, por exemplo, precisou cuidar de um familiar hospitalizado durante um mês no meio de um projeto importante. O gestor permitiu que ele trabalhasse durante esse tempo de forma remota. "De nada adiantaria estar fisicamente no escritório e com a cabeça longe dali", diz ele.
É importante reforçar que flexibilizar, ou permitir o trabalho remoto, não significa distanciar as pessoas da cultura organizacional, mas incorporar aos valores da empresa relações e ambientes mais dinâmicos. Quando o Mercado Livre planejou a nova sede em São Paulo, inaugurada no ano passado, previu cibercafé com computadores e acesso à internet, lounge com tevês e videogame, salas de descompressão para um cochilo. "Os funcionários podem usar as estruturas em qualquer horário", afirma Helen Menezes, gerente de RH da companhia. "Para incentivar, orientamos que os próprios gestores deem o exemplo e utilizem os espaços." Marcos Marins, de 43 anos, gerente-geral do Mercado Pago, a plataforma de pagamentos da organização, assina embaixo. "Quando reunimos a equipe em um ambiente descontraído, as pessoas se tornam mais participativas e criativas. Aprendi que pessoas felizes produzem melhor."
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O FUTURO É AGORA
Se você ainda não se convenceu de que a flexibilidade nas relações de trabalho é algo urgente e deve ser desenhado desde já, há ainda dois motivos para que comece a pensar seriamente no assunto: a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Os dois megaeventos devem esquentar ainda mais essa discussão, e quem já tem um plano agora vai sair na frente.
Segundo análise da empresa de recrutamento Robert Half, 32% das companhias no Brasil pretendem adotar políticas de horários flexíveis nos próximos 12 meses. E 19% querem oferecer o benefício do home office aos funcionários. O governo e a iniciativa privada devem acelerar os investimentos em infraestrutura, como a tecnologia 4G e o aumento do número de pontos de rede wi-fi, facilitando o acesso das organizações às soluções digitais. E o volume de gente circulando pelas ruas vai impactar diretamente no dia a dia das corporações. Só a Copa deve atrair 600 mil turistas, fora os brasileiros que se deslocarão para assistir aos jogos em casa ou nos estádios. De acordo com a previsão do Departamento de Estudos e Pesquisas do Ministério do Turismo, isso deve gerar 5,9 milhões de viagens.
Em 2010, o governo de Vancouver, no Canadá, montou um bem-sucedido plano em conjunto com as corporações para desafogar o trânsito durante os Jogos Olímpicos de Inverno. "Vamos propor às cidades-sede da Copa uma iniciativa semelhante, para que utilizem o trabalho à distância como parte da estratégia de mobilidade", diz Alvaro Mello, presidente da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividade e professor da Business School, em São Paulo. Pois bem, o desafio está lançado e esse pode ser um bom teste para os mais céticos. Aumentar a produtividade, manter a competitividade, atrair e reter talentos serão méritos das empresas conectadas. Não só em termos tecnológicos, mas também ideológicos: o século 21 é a era do trabalho sustentável para empregados, para as companhias e para o planeta.
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